Um blog sobre coisa alguma.

27.3.09

Segredos

Em casa nunca havia muito espaço para conversas. Entre a fala e a ação, a segunda predominava com certa violência. Isso não fez dela um monstro ou uma aberração, mas deixou algumas sequelas no comportamento. Pelo menos era o que parecia nos bilhetes escolares e conversas dos colegas.
A família seguia um discurso pronto, desses que podem ser repetidos em qualquer situação, uma espécie de auto-ajuda pré-fabricada que se espalhava pela mesa do jantar sempre que algum assunto relevante precisava ser discutido. A família se bastava em si. Eles se protegiam tanto que faziam com que ela se sentisse mais insegura. Escondia suas diferenças numa caixinha, escondida dentro do armário, que só foi descoberta na hora de desocupar o quarto para o inquilino.
Nela, escondida entre as calcinhas de renda e as meia-calças, um bilhete.
"Querido pai: você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Afirmo que não o tenho. Mas tenho medo de mim e de tudo que sinto e não controlo. Guardo esta carta e tudo que desejo nesta caixa. Minha vontade era me despir do meu pudor e vestir o restante. Mas você não me perdoaria. E talvez não se perdoasse também.”
O pai entendeu aquelas palavras melhor do que se podia imaginar.
Talvez dividisse o desejo com a filha ou fosse só seu ego inchando e atrapalhando o entendimento de tudo que acontecia.
A mãe nunca chegou a saber da caixa. Nem de seu conteúdo.
Continuou guardada, como era o desejo da menina, escondida dentro do armário, que agora estava no quarto de sua irmã.