Um blog sobre coisa alguma.

6.10.08

Conto - A frase

Existem frases que fazem a gente pensar, que mudam a nossa forma de ver as coisas ou simplesmente deixam claro que ali, naquele momento, a casa caiu.
Como John Lenno quando disse 'o sonho acabou' ou Monica Lewinsky quando gritou, desconfortável, 'na boca não, Bill'.
No cu, Roberto, no cu.
Roberto nunca havia ouvido aquilo. 26 anos. Nunca ouviu. Um esporro que ele levava pela primeira vez. Não na empresa, na vida. Classe média, quase alta, filho único, nunca tinha ouvido um não. Muito menos um No cu. Principalmente da mãe, que não era mulher de contrariá-lo, muito menos com esse linguajar. Pra ela, era coisa pra falar com filho que não sabe quem é o pai. E ele sabia. Trabalhava pro pai todo dia.
Deve ser por isso que nunca ouvira um No cu antes. Foi pesado, mas se sentia orgulhoso. Voltou pra casa pensando no significado ddaquilo. Ignorou o nome e se concentrou na frase. No cu. Curta, direta, perfeita. Era o que ele mesmo estava sentindo, mas foi quem ouviu. Sonhava ter dito, mas se vangloriava só por ter dado motivo para aquilo ecoar no corredor. No cu, Roberto. Tira o nome. No cu. Duas palavras. Um resumo. Em+o + cu. Preposição + artigo + substantivo comum.
Comum pra língua, porque o do Roberto era muito próprio. Duas palavars que diziam tanto. 4 letras. Sem repetição. Uma construçãoo de fazer parnasiano jogar a toalha. E o vocativo, no final, pra dar ênfase do cu de quem devia ser sofrida a ação da frase. No cu, Roberto. Lembrava. REpetia no final, com menos força. NO CU, ROBERTO, no cu. Suave. Tão suave para falar quanto para ouvir. Nenhum verbo. Nenhuma ação descrita. Nem precisava. Uma frase quase bíblica, com a repetição dando um tom professoral. Em verdade, em verdade vos digo: No cu, Roberto, no cu. Viu Jesus, na Cruz, repetindo para o Ladrão da tortura ao lado: No cu, ladrão, no cu. Fez um passeio pelas grandes personalidades que deviam ter usado a frase. Hitler deve ter dito em um discurso qualquer No cu, judeuzada. Churchill bradou de volta, No cu, ariano. Madre Teresa, Ghandi, Elvis, Mandela, No cu, Roberto. Sem o nome. No cu. Imaginou o nome que devia ter pra combinar melhor com aquilo. Não dormiu. A sensação de poder em uma frase. No cu. Nem sua mulher escapou. No cu, Marisa. Passou uns dias ainda repetindo a frase que julgava perfeita: No cu, Nestor. O nome perfeito. Nunca tinha ouvido aquilo. Nunca.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Porra monoteta faz um texto do Zaca

14 October 2008 at 15:51

 

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