Um blog sobre coisa alguma.

20.3.07

Conto: Arte Caseira

Minha casa sempre foi um pouco fechada. As pessoas nunca conversaram muito. As pessoas, no caso, eu, minha mãe e meu tio.
Ele morava com a gente desde que minha vó morreu e era meu único tio de verdade. Eu sempre adorei meu tio como se fosse um pai, mesmo ele sendo bem mais novo que minha mãe. Minha mãe não gostava muito dele, dizia que era um vagabundo, que não queria trabalhar. Na verdade, ele era ventríloquo e trabalhava e noite. Minha mãe não podia saber, jamais aceitaria uma profissão como essa. Quando minha mãe saía de casa e eu ficava só com meu tio, armávamos uma tenda e fazíamos apresentações. Ele com o boneco e eu era a platéia. Meu tio era muito bom de improvisação e cada show era diferente do outro. Quando minha mãe saía, levava com ela toda a seriedade daquela casa.Quando fazia barulho no portão nós corríamos pra arrumar tudo e esconder o boneco. Ela nem desconfiava. Lembrando bem, minha mãe era muito desconfiada. Sempre que chegava em casa procurava alguma coisa errada e quase sempre culpava meu tio. Muitas vezes, eu mesmo fazia alguma coisa errada mas meu tio levava a bronca. E ele não reclamava, agradecia a sorte de ter um abrigo. Era uma espécie de pacto: eu guardava seu segredo, ele levava as broncas e morava em casa. E eu contava as horas para o dia em que minha mãe ia sair de novo pra poder encontrar com o boneco. Talvez por ser proibido, as apresentações eram ainda mais engraçadas. Alguns meses depois meu tio morreu. Ninguém nunca me explicou muito bem como foi. Chegamos em casa um dia e ele estava morto. A polícia levou o corpo, minha mãe fez mistério. A casa ficou vazia. Minha mãe ficou mais feliz, e eu, mais triste. Sua alegria não conseguia me contagiar e pior, me irritava. Como ela podia estar feliz depois que meu tio tinha ido embora. Passei muito tempo com essa raiva contida. Nunca questionei minha mãe a respeito de nada. Anos mais tarde, já crescido, tive coragem de perguntar. Por que você nunca gostou do tio, mãe? Responder, responder mesmo ela não respondeu. O argumento foi o mesmo e ela ficou muito irritada. Era uma vagabundo, nunca quis trabalhar, só queria viver às custas dos outros. Vagabundo. Não sei porque eu me sentia tão ofendido com as acusações dela. Foi a primeira vez que respondi para minha mãe. Não vou tolerar este tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo.
Minha mãe empalideceu. Pediu que explicasse o que eu estava dizendo, em tom de desespero. Nunca tinha conseguido me abrir com minha mãe. Aquele dia contei tudo o que havia passado entre nós. Minha mãe chorava, perguntava se ele nunca havia feito mal para mim. Não, só brincávamos com o boneco.
Meu tio foi morar na minha casa pois estava escondido. Parece que ele não tinha sido tão legal com algumas crianças perto da casa da minha avó. Por isso minha mãe era preocupada. Ela achava que ele podia me fazer mal. E acredita que ele fez. Ela disse que ele nunca foi ventríloquo e que ele me enganava. Pra ser sincero eu achava mesmo estranho aquele nariz do pinóquio que só crescia quando eu encostava. E também o fato do pinóquio estar sempre resfriado. Mas eu jamais poderia duvidar de alguém cuja profissão é encantar as crianças.








Hoje eu estava pensando: por que, afinal?

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Carai muleque, cê é doente mesmo hein... maldito dia que eu falei pra mãe deixa rvc fazer qualquer coisa... devia ter feito ela obrigar vc a fazer um aprofissão decente, tipo engenharia!

5 April 2007 at 16:38

 
Anonymous Anonymous said...

Hahahahaha!!!!Pq que a Piauí não publicou isso, meu Deus!

14 May 2007 at 22:27

 

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