Um blog sobre coisa alguma.

16.10.08

Conto: Peitos

Quando ela sentou no ônibus, reparou na menina que estava à sua frente. Não mais que 5 anos, quase 60 a menos que a mulher ao lado dela.
Falava pouco a criança, e quase dormia a senhora, quando entrou a moça do decote. Poderia se dizer generoso, se mostrar aquilo aos outros fosse bondade. E não era de agradar a muitos, embora estivesse bem exposto.
A menina olhou, sem piscar.
Vó, quando eu vou ter peitos assim? perguntou pra senhora, que assustou.
Mas por que você quer um desses, menina?
Ah vó, disse ela meio envergonhada, é bonito.
A vó não deu mais ouvidos. No banco de trás ela riu e também não ligou.
Entre a inveja e o desejo precoces, as duas preferiram ignorar.

6.10.08

Conto - A frase

Existem frases que fazem a gente pensar, que mudam a nossa forma de ver as coisas ou simplesmente deixam claro que ali, naquele momento, a casa caiu.
Como John Lenno quando disse 'o sonho acabou' ou Monica Lewinsky quando gritou, desconfortável, 'na boca não, Bill'.
No cu, Roberto, no cu.
Roberto nunca havia ouvido aquilo. 26 anos. Nunca ouviu. Um esporro que ele levava pela primeira vez. Não na empresa, na vida. Classe média, quase alta, filho único, nunca tinha ouvido um não. Muito menos um No cu. Principalmente da mãe, que não era mulher de contrariá-lo, muito menos com esse linguajar. Pra ela, era coisa pra falar com filho que não sabe quem é o pai. E ele sabia. Trabalhava pro pai todo dia.
Deve ser por isso que nunca ouvira um No cu antes. Foi pesado, mas se sentia orgulhoso. Voltou pra casa pensando no significado ddaquilo. Ignorou o nome e se concentrou na frase. No cu. Curta, direta, perfeita. Era o que ele mesmo estava sentindo, mas foi quem ouviu. Sonhava ter dito, mas se vangloriava só por ter dado motivo para aquilo ecoar no corredor. No cu, Roberto. Tira o nome. No cu. Duas palavras. Um resumo. Em+o + cu. Preposição + artigo + substantivo comum.
Comum pra língua, porque o do Roberto era muito próprio. Duas palavars que diziam tanto. 4 letras. Sem repetição. Uma construçãoo de fazer parnasiano jogar a toalha. E o vocativo, no final, pra dar ênfase do cu de quem devia ser sofrida a ação da frase. No cu, Roberto. Lembrava. REpetia no final, com menos força. NO CU, ROBERTO, no cu. Suave. Tão suave para falar quanto para ouvir. Nenhum verbo. Nenhuma ação descrita. Nem precisava. Uma frase quase bíblica, com a repetição dando um tom professoral. Em verdade, em verdade vos digo: No cu, Roberto, no cu. Viu Jesus, na Cruz, repetindo para o Ladrão da tortura ao lado: No cu, ladrão, no cu. Fez um passeio pelas grandes personalidades que deviam ter usado a frase. Hitler deve ter dito em um discurso qualquer No cu, judeuzada. Churchill bradou de volta, No cu, ariano. Madre Teresa, Ghandi, Elvis, Mandela, No cu, Roberto. Sem o nome. No cu. Imaginou o nome que devia ter pra combinar melhor com aquilo. Não dormiu. A sensação de poder em uma frase. No cu. Nem sua mulher escapou. No cu, Marisa. Passou uns dias ainda repetindo a frase que julgava perfeita: No cu, Nestor. O nome perfeito. Nunca tinha ouvido aquilo. Nunca.

3.10.08

Conto - No escritório

- Ela trabalha no escritório como se fosse uma vagabunda, Waldir, falo-te a verdade, meu amigo.
- Não zombes de mulher dos outros, Loiola. Por mais talentoso que sejas com as pequenas.
- Pois aposto que não é virgem!
- Abandonara o marido?
- Não Waldir, claro que não. Pois não te disse? Vai ao escritório com decotes de enrubrecer o mais cafajeste dos cafetões. E umas saias, meu amigo, e umas saias.... tão curtas que poriam o Papa em pecado.
- E o que fazes?
- Olho. E como olho. Mas só posso olhar. Sou casado, Waldir. Sabes que respeito minha mulher.
- És casado mas não és de ferro, homem. Sua mulher não saberás, Loiola. Está trancada naquela baleia há anos, não quer saber de teu trabalho.
- E como posso dizer à pequena que o meu interesse é simplesmente esse? Não levarás dois dias para azucrinar-me a vida e tirar-me a paciência.
- Mas vale a pena, Loiola. Ouça o que te digo: Mais vale um abraços de coxas novas que a eternidade entre a carne velha.
- Vou embora Waldir. Resolverei esse assunto com a pequena. Esqueça nossa conversa, amigo.
- Vai, aposto que não resistirás muito, teu corpo de homem sobrepujará tua cabeça de padre.

Loiola passa a noite em claro, pensando no que acabara de conversar. A mulher dormia quando ele chegou. Não possuía filhos. Na verdade não possuía nem mesmo a mulher havia alguns anos.

- O Waldir deve ter razão. Ela não vai desconfiar. Está aqui dentro há anos, mal sabe o que faço. E não quer saber. Eu ainda estou vivo, porra. E não será ela a matar o que há em mim pulsando. Ah, essa pequena não perde por esperar. Ficou tanto tempo esperando, agora vai ter o que merece. Ah se vai.

No dia seguinte, foi ao escritório. Perfumado, alisado, alinhado e engomado pra brincar com Juraci. Ela chegou como sempre, decotada, cheirosa, cheia de graça e com uma saia curta. Loiola olhou-a com desejo, no que foi prontamente retribuído. – Pois aposto que não é virgem – pensou. Ela se abaixava para pegar os documentos na gaveta, deixando os seios à mostra. Ele passava por trás dela roçando em suas costas e ela suspirava.

– Mas que bela raba! - exclamou.

Ela olhou assustada.

- Espere, senhor Loiola. O senhor está me entendendo mal.

Ele cortou logo aquele papinho frouxo, rasgando seu vestido e colocando as mãos firmemente em suas nádegas. Excitava-se com os gritos e a força daquela mulher.
Há muito tempo não sentia aquele prazer. Juraci tentava se livrar, mas ele tentava entrar de qualquer forma.
- Você é uma puta. Uma puta, sim. Uma vagabunda como você não se assusta com o que tenho entre as pernas, não é?
Virando-se para ele, Juraci respondeu:
- Não, Senhor Loiola. É até menor do que o meu.

Conto - Trem

Desceu do trem para ir para casa. Ele desceu por outra porta. No caminho para a escada ela o viu. Ele olhou, mas disfarçou. Se encontrariam. Ela pensou em esperar para que ele subisse a escada na frente, mas foi ele quem atrasou o passo.
Dois degraus. 'Me deixou passar para me olhar por trás (dois degraus)ou pra não me dar chance (dois degraus) de olhar pra ele de novo?' Dois degraus. 'Foda-se. (dois degraus) Não teria como pagar mesmo.'

2.10.08

Contos - Gustavinho do Papai.

Gustavinho, do papai.


Aos 12 anos Gustavo foi levado pelo pai a um puteiro. Seu pai não admitia a idéia de ter um filho homossexual e queria “mostrar logo o gosto da fruta pro menino se apegar a ela de pequeno”. Gustavo foi. E gostou, embora não soubesse o que estava acontecendo.
A formação básica de Gustavo partia de seu pai. Era um homem sábio, de frases profundas, curtas e raras. Com elas Gustavo aprendeu sobre a vida e passou a pensar com as próprias pernas. Aos 15, viajou com o pai e conheceu Mimi. Menininha da roça, com sardinhas no rosto e tranças no cabelo. Peituda, branquela e virgem, definiu o pai. Gustavo se interessou em saber mais sobre a criaturinha. Conversaram, caminharam, olharam para o horizonte juntos. No fim da noite voltaram para suas casas esperando o dia seguinte. Ao amanhecer, Gustavo encontrou Mimi novamente. Na cama de seu pai.
Não demorou muito pra perceber o que se passava e ver sua inocência escorrer junto ao sangue do lençol.
“Trepada perdida, nunca recuperada”. Assim explicou o pai. Assim entendeu Gustavo. Ele nunca recuperou a da Mimi. Se não comia um pedaço de hambúrger que seu pai lhe oferecia, imagine a moça.
Ela voltou pra casa, eles pra cidade. Nunca mais se viram. Ali ele finalmente entendeu que a vida não passava de uma grande orgia para a qual algumas pessoas são convidadas e outras não. Ele não queria ficar de fora. Tratou logo de arrumar seu convite. Era o orgulho de seu pai. Dia após dia, ao acordar, o pai, com um sorriso nos lábios, surpreendia menininhas semi-nuas correndo envergonhadas do quarto de Gustavo. O lençol sujo indicava o surgimento de mais uma mulher. Quando não eram as meninas do condomínio eram meninas da rua que cobravam barato.
A vida de Gustavo era boa. Trabalhava no banco e se divertia na cama.
Era quase uma religião, embora fosse excessivamente cético. Mas na sua própria igreja, rezava todos os dias.
Gustavo era o melhor funcionário do banco onde trabalhava. Dedicado, esforçado, inteligente, não parava. Sua motivação era uma só: dinheiro. Dinheiro com o qual ele comprou um colchão de água, um espelho para o teto, um home theater, uma banheira de hidromassagem e alguns brinquedinhos. E trabalhava, mais e mais. E desenvolvia soluções em qualquer coisa que pedissem. E todos sabiam que ele seria o presidente do banco um dia. Inclusive as estagiárias, que não cansavam de freqüentar o colchão d´água de Gustavo em busca de promoções. Promoção, na vida de Gustavo, é dar duas pagando só uma.
Gustavo morreu cedo. Bateu seu Miura conversível enquanto ganhava um presente de uma escriturária gorda do banco.
Não se sabe até hoje se ele foi o único a entender o verdadeiro sentido da vida ou se ele nunca entendeu nada sobre nada. “Trabalho é pra trepar”, dizia ele. “Um homem trabalha para ganhar dinheiro e trocar por putaria. Não fosse por isso, não haveria tanta clínica estética.”
Gustavo era quem sabia o quanto a vida compensava.